Corporação alerta para fogo de difícil extinção e alta liberação de gases tóxicos; setor de veículos elétricos teme custos elevados e inviabilidade de adaptações
São Paulo – O crescente número de veículos elétricos circulando pelas ruas e, principalmente, sendo recarregados nas garagens de condomínios residenciais e comerciais, acendeu um alerta no Corpo de Bombeiros de São Paulo (CBPMESP). A corporação vê com preocupação os riscos associados a essa nova realidade, especialmente em edifícios cuja infraestrutura elétrica não foi projetada para essa demanda, e prepara novas regras para a instalação de pontos de recarga, conhecidos como eletropostos.
A principal preocupação reside na natureza dos incêndios envolvendo as baterias de íon-lítio desses veículos. Segundo a corporação, são eventos de "difícil extinção", que exigem "grandes quantidades de água" e apresentam alto risco de reignição. Além disso, a queima das baterias provoca uma "alta dissipação de gases tóxicos", tornando a situação ainda mais perigosa em ambientes confinados como garagens. Os bombeiros alertam que curtos-circuitos causados por sobrecarga ou instalações inadequadas podem colocar vidas e patrimônios em risco.
Diante desse cenário, o CBPMESP tornou o tema uma prioridade e está desenvolvendo um regramento específico. Em abril do ano passado, foi publicada no Diário Oficial do Estado uma minuta detalhando propostas de normas de segurança, abrindo um período de consulta pública para coletar sugestões e aprimorar o texto. O prazo para contribuições encerrou-se no início de agosto de 2024. Leia a íntegra da minuta (PDF)
Entre as medidas rigorosas propostas na minuta inicial, destacam-se:
- Exigência de um afastamento mínimo de 5 metros entre vagas com carregadores e as demais vagas do estacionamento.
- Separação física das vagas com carregadores, possivelmente com paredes corta-fogo.
- Instalação de chuveiros automáticos (sprinklers) em todo o pavimento que possuir estações de recarga.
- Sistema de ventilação mecânica obrigatório para subsolos, garantindo cinco trocas de ar por hora.
- Sistemas de detecção automática de incêndio nas bases de carregamento.
Setor Elétrico Manifesta Preocupação
As propostas, no entanto, geraram apreensão no setor de veículos elétricos. Representantes da área, como a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (Abve), apontam para um possível aumento expressivo nos custos de instalação dos eletropostos, que hoje variam entre R$ 1.500 e R$ 6.000, dependendo da complexidade da instalação.
Clemente Gauer, chefe da pasta de segurança da Abve, expressou preocupação específica com a viabilidade das medidas em edifícios já existentes. "Com as imposições sugeridas [...], a gente vê de imediato algumas questões que chamam atenção como a distância de 5 metros. Em imóveis que já têm um número de vagas na garagem, eu não imagino o que pode ser feito. Está sendo inviável ter carros elétricos nessas garagens", avaliou Gauer em declarações anteriores sobre o tema.
Ele também mencionou que exigências como a construção de novas reservas técnicas de água seriam impraticáveis para muitas edificações atuais. Segundo Gauer, a indefinição sobre as novas regras já teria paralisado cerca de 400 projetos de instalação de eletropostos, que aguardam a definição final das normas em São Paulo.
Risco Real vs. Percepção
O setor automotivo argumenta que o risco de incêndio em veículos elétricos é estatisticamente menor do que em veículos a combustão – citando uma probabilidade até 60 vezes inferior. Alegam ainda que as baterias possuem sistemas de proteção que retardam a "fuga térmica" (superaquecimento descontrolado), tornando o início do incêndio um processo mais lento e potencialmente controlável com protocolos adequados.
A Abve defende que não deveria haver "discriminação" contra as vagas para elétricos e compara a situação com países europeus, onde, segundo a associação, não existem restrições tão severas. Reforçam também que não há registros de acidentes em pontos de carregamento.
Enquanto o debate sobre as normas segue, a realidade é que a venda de carros elétricos avança em ritmo mais acelerado que a infraestrutura de recarga pública. Embora São Paulo lidere em número de eletropostos, a proporção ainda é de cerca de 8 veículos por ponto de recarga. A maioria dos usuários carrega seus veículos em casa, o que, segundo a Associação dos Proprietários de Veículos Elétricos (Abravei), também representa um desafio de segurança e fiscalização em instalações residenciais.
A definição das novas normas pelo Corpo de Bombeiros é aguardada com expectativa, buscando equilibrar a necessária segurança contra incêndios com a viabilidade da expansão da infraestrutura para uma mobilidade cada vez mais elétrica.